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Mostrando postagens de maio, 2020

Devasso sentimento

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A troca de olhares era nítida e desmedida: enxergaram mais do que retina. Muito mais. E a cada olhar aniquilador, transcorria em seu corpo uma energia luxuriosa. Chegou a pensar ser tamanha indecência após longo período de absoluto menoscabo. Por tempos, a gana de saciar aquele desejo impetuoso os tomou, ainda que não o demonstrassem, ou mesmo identificassem com precisão. O encontro foi casual, surpreendente; todavia, amplamente desejado. Partiu dela. Sentia entre as grossas coxas a lubricidade, e a cada sentir, na intenção de procurar burlar seu bel prazer, pressionava as pernas, fazendo gerar o pompoar: Assim, de tempos em tempos – ainda a cada troca de olhar – se via com a boca entreaberta, trêmula, que fazia a língua correr pelos lábios. Traía, assim, a si mesma, pois a saliva úmida e quente da língua na boca vacilante a fazia querer devorá-lo com gana. Não se tem conhecimento sobre o prazer dele neste momento, pois tratava-se de um clássico boêmio, acostumado a f

The Great Gatsby - Final scene

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        “ Quase todos os grandes estabelecimentos já estavam fechados e dificilmente se avistava qualquer luz exceto o brilho impreciso, móvel, de um ferryboat , a cruzar o Estreito. E, à medida que a luz se erguia, as casas, desnecessárias, começaram a dissipar-se, até que, pouco a pouco, me pus a pensar na velha ilha que ali florescera em outros tempos, ante os olhos de marinheiros holandeses – um seio fresco, verde, do Novo Mundo. Suas árvores extintas – as grandes árvores cederam lugar à casa de Gatsby – tinham servido de motivo, sussurrantes, ao último e maior de todos os sonhos humanos; durante um breve momento de encantamento, o homem deve ter ficado com a respiração em suspenso em presença deste continente, compelido a uma contemplação estética que ele não compreendia nem desejava, face a face, pela última vez na história, com algo proporcional à sua capacidade de espanto.        E, enquanto lá me achava a meditar sobre o velho, desconhecido mundo, lembrei-me da surpresa

Os amOres que a vida dá

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Não teme. Aprendeu, com alguns [vários!] tropeços da vida, a ser ela mesma, e amar. Ganhou, ainda que duramente, consciência de sentir e ter o poder de controlar qualquer um desses sentimentos passíveis, antes, de dor. Se ri e se diverte; Se ama, e ama. Mas sabe que esses amores que a vida traz são, em grande parte, passageiros. Porque nem sempre precisa ser pra sempre. Sim, é bom quando o é: Um amor pode ser amigo, pode ser paixão, pode ser companhia e emoção. E, às vezes, a gente nem sabe o que sente. Ele pode estar e, de repente, não mais. E há de se respeitar isso. Porque temos de ser gratos, mas ninguém deve ser obrigado. Já dizia Rubem Alves: “ Não se podem prometer sentimentos. Eles não dependem da nossa vontade. Sua existência é efêmera. Como o voo dos pássaros”. Portanto, resta-nos sentir e aproveitar, cada momento único, sem pensar no que há de ser. Porque nem sempre amar sozinho é ruim. Permita-se, doe-se, sinta e faça. E não se surpreenda

O abismo de absinto

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O que diz o vento quando queima a pele macia e se vai, sem mesmo dizer adeus? Por quantos cheiros passamos quando sentimos o sofrer? A aura é de cor escura, fria. Vazia. O caminhar pelos girassóis quebrados arrancam gemidos de uma dor dilacerante, vinda do fundo do ser. O derrapar faz cair qualquer gota de orvalho existente na planta da alma. O som agonizante da morte sem sorte, bem forte faz zumbir tímpanos e trompetes. O chão some atrás de cada passo, obrigando as pessoas a irem em frente, independente de desejo ou sucesso. O sangue pulsa num pulso que anseia ser cortado. A escada que é galgada não tem sequer laterais para pular, ou corrimão para apoio. Tropeços. O desejo de mudar, sumir, torna-se eterno querer de um sonho que se esvai. Os anjos chicoteiam as costas, enquanto as harpas tocam incansavelmente. A crer: eles, os anjos, nos desejam. Seremos companhia para seus vôos? Eles perguntam: “Onde guardas os amores não correspondidos que a vida lhes dá?”

Opressão sem fim

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Olhou-se no espelho: Viu medo. Havia uma sensação de timidez, porque como há, neste mundo, motivos para senti-lo! Seria justo este temor? O pranto. O juízo feria o coração, que batia fortemente a pensar que não poderia verbalizar tal emoção. Tudo estava claro, expresso. Óbvio. Acreditou ter o direito de autonomia da personalidade, mas, em dado momento, via tal capacidade amplamente restrita. Até que ponto estava livre para ser? Até quanto poderia ter? Até onde poderia ir? Até quando? Como pode ser assim tão belo e puro, e tão cruel e aniquilante? Porque arranca tantos sorrisos e tantas lágrimas, sem ser dita sequer uma palavra? A dolorosa falta de dizer, justo para quem tanto fala, expressa. Constatou engolir o choro ser mais fácil que oprimir tal afeição. A eterna omissão do gritar rodeava sua mente, e deixava-a amargamente perdida. Sem chão. Sem paz. Lembra-se do céu estrelado e da lua cheia por detrás dos galhos; Dos sons e do calor atravessand

Doce Poseidon

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Encontrava-se só. Julgava-se intragável. Presumia ser suprema a opinião de que sensibilidade era sinal de fraqueza. Mal sabia aquele ser estupendo que tal sensibilidade fosse tão rara. O gelo da noite cortava a pele quando lhe disseram que encontraria uma parte inteira. Porque de meio ninguém vive. Ninguém vive meio. Viver meio? Ninguém. Decretou aquele discurso fadado ao fracasso. Ah, se soubesse quão divina é a capacidade de sentimentos favoráveis! Quão inabitual um ser corpulento como ele, transformado por um ser universal, em entusiasta da vida. O olhar profundo, em tom terroso. O cabelo difuso, o sorriso irônico. O gosto considerado furioso, quase apoplético. A suposta ira transformada em música hostil, tinindo baquetas em pratos rasos e rígidos e ruidosos. O impulso descomunal para se manter firme em seus objetivos, desafiando qualquer restrição de ordem mundial. A audácia e bravura de, num ímpeto, vestir-se de dama, desprezando qualquer crít

O se perder para se encontrar

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O labirinto da vida: Quantos lados, e curvas, e abismos! Tão cheio de rotas e direções. Tão fácil se perder. Há tempos o questionamento para si era o mesmo: o caminho estava certo? Havia, de fato, um caminho absoluto? Afinal, para onde vamos? Uma coisa tinha certeza: O que havia optado não teria fim. Sim, era um eterno percorrer. E como caminhar sem rumo nos cansa! Como tira o gosto das coisas! Das pequenas e das grandes. Os sabores da vida. Olhava para o alto, e via apenas cimento. Direcionava, então, o olhar para baixo: Só havia terra. À sua frente, grandes muralhas. Para trás não olhava. Afinal, o atrás não existe mais. Aromas, cores, toques, temperos. Nada. Então perde-se. E é tão infinito perder! Será necessário se perder em um labirinto para se encontrar? Porque, sim: quando perde-se, percebe-se que se ganha. Ganha vida, ganha vontade, ganha novo. E como é bom ganhar o novo! Ora, como sentia falta de uma boa pros

Os cárceres da vida

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"Deve ser difícil ser um presidiário”. Quem nunca tentou entender o que se passa na cabeça de um detento? Privados da luz do dia, do sereno da noite; Da liberdade, do amor, do viver. A mesa - que, talvez, um dia tenha sido farta - não há. Cama, relacionamento, paz. Não. Todavia, esquecemos que esmagadora maioria de nós, aqui fora, em plena (?) autonomia de nossas vidas, nos submetemos à um cárcere pessoal. E há tantos deles. A prisão física, já supracitada, está conectada, como bem sabemos, a um delito – tenha ele acontecido ou não – pois, lamentavelmente, a justiça ainda é cega. A estes, resta apenas esperar o tempo passar, procurando manter a sanidade mental – como que em uma quarentena. Nos tempos atuais, sentimos – ainda que minimamente - na pele, o que é isto. E, portanto, temos consciência do quão difícil é manter esta sanidade. Sempre é. Existem pessoas que se aprisionam aos bens materiais. Estas, acreditando que estão fazendo investiment