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De volta à matriz existencial.

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Qual a sensação de passado? Como vive lá? Como cheira? Como ama? O sol matinal diariamente dardejava e queimava, não a pele, mas uma casca. Rígida, instransponível. Tornara-se apenas uma marionete, que se permitia controlar por seu criador. Aqueles olhos - que pareciam tão contentes – não passaram de mera ilusão. A alma galante estava posta em solidão. Aprisionada. Um ser mágico envolto em tramas de um amor que nunca será. Nunca se isentará. Nunca se ausentará. Lembranças: estas o mundo rechaça. A prosa foi perdida em fadas palavras, que serão, porventura, esquecidas com o tempo. A boca, que antes era ósculo, agora estás apenas a pungir. Ó triste e mísero passado, porque nos atordoa? Liberta-o. Dá-me. Quão nobre e fiel consciência tem este acordo? Libertaste em corpo e aprisionaste em alma. Além da verbal determinação isolar dois corações para amar, ainda há gotículas de um passado que não foi vivido por outrem, a quem obrigam fazer parte disto. São almas tristes que, dispersas pelo

Abraço em forma de arte.

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Só. Não, não há ninguém ali. Está ali? Chopin reina eu seu cérebro, conectando as sinapses entre as teclas. Ele. Ele a ajuda a manter a sanidade. Sente falta do bumbo. Respira. Sim, é música clássica. Os livros são muitos, por todos os lados. Tantas histórias. Palavras, perdeu as contas: os dedos dançam entre páginas, abas, sulfites e telas. Cabelo desidratado, TV no modo mudo. Música clássica.  Sem bumbo. São 4 paredes. Finas. Às vezes podem ser mais. Quando o número de paredes aumenta, é sinal de vinho, cerveja, risadas e Whisky. E mais. E é tão bom. A faz ter desejos nunca antes imaginados. Sente falta daquilo. Carentena. Não o é. Não ali. Para sua surpresa, uma laranja. E mais. Uma laranja em preto e branco, com um mar negro se abrindo ao centro, como se um míssil o tivesse atingido. Ou a tivesse atingido. Em cheio. A casca do mar tem tom esverdeado. Cores e texturas. Teriam sabores? Gomos, flores, pontos e linhas

Aquele lugar da pandemia

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Abril de 2050. Abro os olhos e, aliviado, agradeço por estar ali. Minha cama é quente e macia. Sonhei de novo com pandemia. Tantos sonhos. Modificados. Na rua, seus respectivos moradores, vivendo com a mesma exposição e vulnerabilidade de sempre. Afinal, se morriam era “devido à fome”, “levou um tiro”, ou, ainda ,“estava drogado”.  Os exames, nesses, eram dispensáveis. Nas casas, pessoas alojadas, confinadas, presas em seu mundo virtual e cheio de letras tortas, em diferentes teclados. Dispositivos. Grande sacada para as empresas de videochamadas – seriam elas as responsáveis pela pandemia? A comida, bebida e papel higiênico não lhes falta. A máscara e a luva estão na porta de saída. Aos falecidos, o exame era certo. Pessoas aflitas. O perigo era iminente. Cidades desertas, ar mais limpo. Os números aumentavam, o medo predominava. Até que esses números começaram a virar nomes. E foram muitos números os nomes. E lá, no meio de todo o caos

Avó da pandemia

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Abril de 2050. Abro os olhos. Sufocado, agradeço por estar ali.  Minha cama é quente e macia. Sonhei de novo com a pandemia. Eu estava com minha avó quando se foi, em decorrência do vírus. Naquele dia, a vi, sem por os pés para fora de casa, chegar ao estágio final. Não falava nada. Não falava porque não conseguia: A falta de ar lhe tomava todas as forças. Foi questão de dias. Por que fui sair? Como fui acreditar naquelas pessoas que diziam que estava tudo bem e que sobreviveríamos? De fato, sobrevivemos.  Eu sobrevivi, você sobreviveu. Mas fui eu quem a matou. É certo que hoje não estaria mais entre nós, mas sua morte poderia ter sido bem mais leve. Menos sofrida. Com ar. E só com amor. Porque ela sabia que tinha sido eu. Naqueles momentos, sem voz, o olhar dela expressava todo amor que tinha por mim, e toda mágoa, por saber que eu havia causada aquilo. Ela estava morrendo. E a culpa era minha. E a cada olhar, sem ar, meu coração se partia m

Mãos que falam prazer

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Ela sabe que aquelas mãos falam. Elas tem o incrível poder de expressar quando ele não pode – ou não quer – verbalizar. Grandes, quentes, e ao mesmo tempo brutas e delicadas. Com seu calor imensurável, as mãos dele transitam, passeiam, dão voltas por seu corpo desnudo e suado, demonstrando a ela a excitação, expressa somente pelo tato. Vai à boca - e com umidade da saliva - ao pescoço, ao colo, ao ventre e abaixo - se tornando ainda mais úmida, resultando no gozo do momento. Elas tocam. E tocam. Aqui, as notas que sua mão produz possuem ritmo, cadência e constância. E às vezes não possuem nada disso. Tudo é loucamente sensorial, sem previsões ou regras. Sim, sem regras. Quando em sintonia e sincronia com o corpo robusto, provocam uma magnífica explosão, uma melodia extasiante, com sons - e sensações - para maestro nenhum botar defeito. Soam como mel real - com suavidade e sutileza. Soam como palmatória - dura e forte. E a soma dessas duas formas resulta

Se trata de VIDA.

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Se antes a disparidade social já exigia que nos mantivéssemos unidos, agora, mais do que nunca, devemos estar conectados – ainda que separados. “Longe é um lugar que não existe”, disse Richard Bach. “Distante, sim. Distanciados, jamais”, disse alguém especial. O fato é que a polarização, neste momento, não nos levará à lugar algum. Para muitos este é um tempo de reflexão e meditação. Para outros é tempo de desespero, porque foi demitido – ou já estava desempregado – e mal tem como sobreviver. As contas ainda chegam, o corpo ainda pede alimento, e a mente pede – cada vez mais – sabedoria e sanidade para encontrar saídas e perdurar. Alguns tem o apoio de familiares e jamais se sentem sozinhos. Outros estão em completa solidão. Há quem diga que “estamos todos no mesmo barco”. Não é verdade: Cada um está em um barco, um muito diferente do outro. Todos na mesma tempestade em alto-mar, mas as embarcações são diferentes. Muito diferentes. Há barcos grandes – cruzeiros – repletos de suprime

ComuMente humana.

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Onde fica a "linha tênue" entre o prazer e a solidão, o amor e a carência, o comodismo e o conformismo? Será - essa linha - um abismo? Por quanto tempo somos capazes de viver uma vida que não nos pertence? De agir como se habitasse ali um ser que não habita? A adaptação da mente humana é incrível. Estamos, durante toda a vida, passíveis de nos conectarmos à situações das quais, por mais miseráveis que sejam, nos moldamos. Já dizia Oscar Wilde:  "Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe". Suportamos uma existência da qual nem de longe sonhamos, e nos condicionamos a crer que aquele é nosso destino, que está tudo bem, na mais perfeita ordem e sincronia. Afinal, é a nossa vida. E ninguém quer abrir os olhos para enxergar o fundo do poço. Ah, o poço. Óbvio. Se desvencilhar do confortável. Se libertar de algo frágil, desconexo - mas que parece real. Parece. Mas perece. Ter poder. E não poder. Ter tua vida. E n

(In)Sensatez

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Um olhar profundo. Lá no fundo e do fundo. Um sorriso de canto. Uma aproximação. Calor. Uma posição arqueada. Uma fotografia tirada. A atenção, o interesse: sede de conhecimento intercalada com intensa admiração. Atração. Gratidão. Um café que nunca existiu. Convite, jazz, talvez, acho que não. Melhor não. Convite, jazz, talvez, acho que não. Melhor não. Convite, jazz, talvez, acho que não. Melhor não. 15 anos. Um fim – um começo. Convite, jazz, talvez, acho que... Por que não? Uma fotografia revelada. Um café – Vários cafés, diferentes filtros. Era pra ser só jazz. Se tornaria uma mistura de ritmos, batidas, estilos e diferentes velocidades. Era pra ser só jazz. Se tornaria uma mistura de toques, cheiros, sensações, prazeres e leviandades. Era pra ser só jazz – o que a fez se perder do seu rock n´roll... [ Jade Rosa ] 29/03/2020

La vie (est - elle belle?)

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Em tão pouco tempo, o horizonte mudou suas cores. Se antes o pôr do sol acalmava a alma, agora a inefável sensação de temor toma conta dela – a alma. O caminho é trilhado sem saber onde vai dar. Sem saber onde vamos chegar. Ou se vamos chegar. Quando há caminho. E quando há a permissão para circular. Engasgamos na emoção. Expressões de afeto acompanhadas de reações breves do organismo, em resposta a um acontecimento. A este acontecimento. Aqui, o segurar o choro. Ou o chorar por dentro. O nó na garganta. O chorar. Produzimos a sensação. Causada por um estímulo pontual, um caso ou um acaso. Neste caso, 'O caso'. Prontamente temos a sensação avassaladora da detenção, da restrição; o medo do caos. Nos corrói o sentimento. As emoções – de novo ela – conscientes. Portanto, sentimento: a conscientização da emoção. Mesmo? Nestes tempos a razão? Há razão? O compreender. Compreender? Entende-se apenas que a qualquer momento o tempo de quem se ama pod

Cidade luz e aroma

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Os aromas são engraçados. Nos remetem ao passado, à situações das quais a gente viveu há tanto tempo, mas nos marcam como dificilmente alguma outra sensação vá marcar. Das coisas que eu mais gosto quando caminho pela cidade, são as fragrâncias. São características quase inatas dos locais. Quando criança, caminhava com minha mãe – Ah, a época do Natal... “Para olhar as luzes”, ela dizia – quando ainda éramos a “Cidade Luz”.  E aqueles cheiros e sentimentos que tinha ainda menina, hoje, me fazem voltar quase que diariamente ao passado. Eu sei que a palavra “experiência” anda um tanto quanto blasé, mas aquilo sim era, de fato, uma experiência. Aqueles odores nunca mudaram: O Mercado Municipal, com sua carga de cheiros e sensações era - e continua sendo – incrível. Num primeiro momento as frutas, legumes e verduras, tão frescas que parece que você as está degustando naquele momento. Os aromas das ervas, temperos, óleos e castanhas... Até as lojas com produtos chineses tem um c