Aquele lugar da pandemia



Abril de 2050.

Abro os olhos e, aliviado, agradeço por estar ali. Minha cama é quente e macia.
Sonhei de novo com pandemia.
Tantos sonhos.
Modificados.

Na rua, seus respectivos moradores, vivendo com a mesma exposição e vulnerabilidade de sempre. Afinal, se morriam era “devido à fome”, “levou um tiro”, ou, ainda ,“estava drogado”. 
Os exames, nesses, eram dispensáveis.

Nas casas, pessoas alojadas, confinadas, presas em seu mundo virtual e cheio de letras tortas, em diferentes teclados. Dispositivos.
Grande sacada para as empresas de videochamadas – seriam elas as responsáveis pela pandemia?
A comida, bebida e papel higiênico não lhes falta.
A máscara e a luva estão na porta de saída.
Aos falecidos, o exame era certo.

Pessoas aflitas. O perigo era iminente.
Cidades desertas, ar mais limpo.
Os números aumentavam, o medo predominava.
Até que esses números começaram a virar nomes.
E foram muitos números os nomes.

E lá, no meio de todo o caos, em um único local no mundo, havia música, gozo e sorrisos. Tudo tinha sido questão de tempo.
Naquele mundo paralelo esquecia-se o que acontecia mundo afora: Não se lembrava do mal, dos exames, dos jovens ou idosos. O olhar era para o otimismo, a leveza predominava, a plenitude reinava e o carinho era recíproco.

E, hoje, quando meus netos me questionam como foi a época da pandemia, só posso segurar meu sorriso no canto - bem no canto - da boca, sentir o frio na barriga, e dizer:
Foi a época mais curiosa da minha vida...”

[Jade Rosa] - 09/04/20

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