Avó da pandemia




Abril de 2050.
Abro os olhos. Sufocado, agradeço por estar ali. Minha cama é quente e macia.
Sonhei de novo com a pandemia.

Eu estava com minha avó quando se foi, em decorrência do vírus.
Naquele dia, a vi, sem por os pés para fora de casa, chegar ao estágio final. Não falava nada.
Não falava porque não conseguia: A falta de ar lhe tomava todas as forças.
Foi questão de dias.

Por que fui sair? Como fui acreditar naquelas pessoas que diziam que estava tudo bem e que sobreviveríamos?
De fato, sobrevivemos. 
Eu sobrevivi, você sobreviveu.
Mas fui eu quem a matou.

É certo que hoje não estaria mais entre nós, mas sua morte poderia ter sido bem mais leve.
Menos sofrida.
Com ar. E só com amor.

Porque ela sabia que tinha sido eu. Naqueles momentos, sem voz, o olhar dela expressava todo amor que tinha por mim, e toda mágoa, por saber que eu havia causada aquilo. Ela estava morrendo. E a culpa era minha.
E a cada olhar, sem ar, meu coração se partia mais e mais. Porque eu sabia que ela partia.

E, hoje, quando meus netos me questionam como foi a época da pandemia, só posso dizer:
Foi a época mais triste da vida minha avó. E da minha vida.”

E você? Com vai falar sobre isso aos seus netos?


[JadeRosa] – 07/04/2020

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