Cidade luz e aroma




Os aromas são engraçados. Nos remetem ao passado, à situações das quais a gente viveu há tanto tempo, mas nos marcam como dificilmente alguma outra sensação vá marcar. Das coisas que eu mais gosto quando caminho pela cidade, são as fragrâncias. São características quase inatas dos locais.

Quando criança, caminhava com minha mãe – Ah, a época do Natal... “Para olhar as luzes”, ela dizia – quando ainda éramos a “Cidade Luz”. 
E aqueles cheiros e sentimentos que tinha ainda menina, hoje, me fazem voltar quase que diariamente ao passado.

Eu sei que a palavra “experiência” anda um tanto quanto blasé, mas aquilo sim era, de fato, uma experiência. Aqueles odores nunca mudaram: O Mercado Municipal, com sua carga de cheiros e sensações era - e continua sendo – incrível. Num primeiro momento as frutas, legumes e verduras, tão frescas que parece que você as está degustando naquele momento. Os aromas das ervas, temperos, óleos e castanhas... Até as lojas com produtos chineses tem um cheiro característico (teria a China este cheiro?). Então, as massas, carnes e panquecas. A La Violletera exalando o perfume de sua azeitona, tão forte que faz a boca aguar. E então, mais alguns passos e a certeza de que ali, naquele mesmo local, pessoas sem teto passam suas noites, tantas quantas for possível, para se aquecerem com o calor humano do rigoroso frio curitibano – que, aparentemente, não tem cheiro nenhum.

O Largo da Ordem também é um misto de impactos e estímulos sensoriais, que com o passar dos anos, não mudou. No Bar do Alemão sente-se não só os aromas das clássicas comidinhas como chucrute, joelho de porco e o bom e velho chopp (com a boa e velha canequinha dentro do copo), como também dos perfumes caros e importados dos turistas que o frequentam. E dos livros, que há tantos anos ficam expostos ali do lado, aos domingos, nos sebos de rua da famosa Feira. Ao subir o centro histórico, o odor característico dos hippies que, dia após dia, se abancam no chão para expor suas artes, feitas de sementes, fios, arames e penas – das quais também se destacam e ao mesmo tempo se misturam no perfume da noite. A “Fonte da memória”, conhecida popularmente por “Cavalo babão” – por se tratar se um cavalo “cuspindo” água) – também tem o mesmo bálsamo que há anos atrás (calma, não é vômito): A urina dos transeuntes, a bebida derramada nas noites anteriores (quando o clima curitibano se manteve ameno e permitiu uma noitada), o cheiro de cigarro, fumo, ervas e outras fumaças, produzidas por seus respectivos fumantes.

Ao descer para a esquerda, na XV de Novembro, temos: Pipoca, bueiro, pão de queijo; Chuva, fast food, colônia barata; desodorante, torta e empada; Fármacos, exaustor, suor e perfume; Cerveja, pastel, essência de boutique; Roupas novas e roupas nem tão novas assim; Asfalto quente; Árvore, bolo e chá; Folhas, flores, pizza, ônibus, bituca; Jogo do bicho, tinta de estátua viva, jeans e graxa de sapatos; Tecidos, urina e Natal. Tudo isso, e às vezes tudo ao mesmo tempo, cada um com seu cheiro e os cheiros todos juntos. Mas não necessariamente nesta mesma ordem.

E, enfim, a volta para casa, com uma quase formação em aromacologia, e o cheiro do nosso - doce - lar.

[Jade Rosa] - 12/11/2019

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