Depois da mordida, o vazio do 8


  Já haviam se beijado antes: aquele lento, morno, que começava tímido e terminava em mordidas. O tipo que deixa gosto por horas, dias; que pesa no lábio, acende no ventre.
  Agora, a lembrança desse toque vinha como uma labareda ao menor suspiro.

  O calor no corpo se espalhava em ondas que batiam direto no meio de suas pernas.
  O bico do peito, rígido, denunciava cada pensamento sujo que o corpo insistia em repetir.
  A bunda balançava pra lá e pra cá quando ficava de costas, e roçava nele, sentindo latejar dentro do jeans.
  Os lábios estavam melados; ela queria colocar em outro lugar que não fosse a boca, mas, no improviso da tensão, mordeu o peitoral.
  Levemente - como quem pede licença, ou alivia o tesão repreendido.
  Ele pediu:

"Morde forte!"

  Ela atendeu: mordeu doído, cravou os dentes, quase arrancou-lhe um pedaço. Outro na nuca, nas costas e de novo no peito. Deixou na pele marcas exatas da sua boca, como carimbos do tesão que sentiu — e que duraria dias. Tanto o tesão quanto o carimbo.

  Hoje, só restava a conversa.
  Ele rebateu com frases curtas, seco, como quem desdenha o que quer. não sabia querer. Ou não queria querer.
  Ela respondeu com ironia e charme; um sarcasmo doce e um quê de provocação.

  Achou que estava sentindo o mesmo.
  Ledo engano. Ou não.

  Tentou mostrar que não era qualquer coisa que a encantava, e que seus desejos vinham com trilha sonora, cheiro de lençol branco e janela aberta com uma bela vista.
  Queria varanda, vinho e doçura de mãos que atravessassem a pele, e olhos que não fugissem no escuro.

  Queria inteiro, e não só seu membro duro entrando e gozando.

  Vazio?
  Fazia melhor sozinha, com dois dedos e um pornô, ou um pensamento que ele não tinha nem estrutura pra imaginar.

  Ela era fogo, mas do tipo que incendeia só se tiver lenha boa.
  Não queimava por qualquer fagulha frouxa.

  Sim, disse não.
  Sorriu com a boca. Chorou com a alma.
  Ficou o gosto dele ainda pulsando na garganta apertada - engasgada não da forma como queria, maspelo que poderia ter sido.

  Deitou na cama, nua, com o corpo aceso e o coração moído.
  Olhou pro teto escuro, como se fosse tela de cinema, lembrando o gosto da boca, as conversas deliciosas e a inteligência que ainda era sua maior atração.
  E lá, nas cenas que inventou na cabeça, ele dizia tudo certo.
  Agia com calma.

  Ela queria o 80.
  Ele só mais um 8 - e 8´s, ela já tinha colecionado demais.

  Sentiu vontade.
  Não de falar, ou de ver.
  Mas de lembrar.
  E lembrou tanto... que o corpo inteiro reagiu.

  Escorreu - não entre as pernas.
  Escorreu dos olhos.

  Tornaram-se apenas memórias.
  Virou pro lado, suspirou fundo, e pegou no sono para começar um novo dia.
  Um novo amor.
  Um novo prazer...

[Jade Rosa] - 14/05/2025

*Imagem: Junho flamejante, de Frederic Leighton - 1895. 

Comentários

Mais lido no momento:

Prazer e saudade

Masmorra com porr@

Almejado desfecho gotejante

[Im]Puras meninas de bocas salinas

E pluribus unum¹

Breve lembrança de um tolo nórdico

O palco do prazer

Soneto do líquido doce

Fetiches com limites do sentimento

Cabeça latejante que não pensa